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Capítulo I: Starlight City – Parte I
Ryze Hope. Esse é o meu nome desde que nasci, ou pelo menos
de acordo com a minha certidão de nascimento, que também consta que eu nasci
aqui mesmo, em Starlight City. Eu poderia dizer “oi, eu sou Ryze Hope”, mas
seria uma baita de uma mentira, sendo que nem eu mesmo sei quem é esse cara.
Alguns dizem que ele é o garoto na última carteira da sala de aula, e outros
falam dele ser o cara gótico de cabelos e olhos azuis... Mas são todos grandes
idiotas. Eu sou o único que realmente vai conhecer Ryze algum dia, mas
infelizmente esse dia não é hoje.
Olhar para o espelho, mesmo que fosse só pra escovar os
dentes iguais eu fazia naquele momento, sempre me deixava mais na duvida sobre
quem eu era; olhar para o uniforme da escola como se ele fizesse parte de mim
também era confuso. Há três meses eu não teria pressa em saber quem eu sou, mas
agora saber é ter uma razão pra viver.
— Ryze! Hora de ir pra escola!
O grito da minha tia me tirou totalmente dos meus
pensamentos. Revirei os olhos. Não adiantava discutir por gritos por mais que
eles me incomodassem, e sabendo que ela sempre continuaria a gritar na minha
cabeça, também não valia a pena. Assim, eu peguei a mochila do chão do banheiro
e sai de lá. Minha zona de conforto era a minha casa, e qualquer outro mundinho
que existisse por ai simplesmente não me interessava.
Estava no segundo andar da minha casa, saindo do banheiro em
direção ao andar de baixo até que passei pelo meu quarto e logo lembrei que
esquecia uma pequena coisa. Dei meia volta e entrei nele, pegando o colar que
estava em cima da minha cama. Até que ele tem muita história, afinal, eu o uso
desde o dia em que eu nasci. A minha mãe disse que estava em mim quando me
buscaram na maternidade, achou bonito, então não o tirou. A partir dai, eu
sempre usava aquela esmeralda verde presa a uma corda preta, tirei somente para
lavar hoje de manhã. Mas agora, estava de volta ao seu lugar no meu pescoço.
Desci as escadas, passei pela sala de estar, e finalmente
cheguei à cozinha. Dei de cara com a minha tia tomando café e me olhando. Ela
se chamava Miria, tinha vinte e seis anos e era uma das cinco irmãs de minha
mãe, tendo até a mesma cor de cabelo e os mesmos olhos azuis que ela, já que o
meu cabelo azul eu tinha herdado da família do meu pai.
— Ryze lembra que hoje você precisa chegar cedo pra...
— Festa de quinze anos da minha prima — completei a frase de
minha tia enquanto passava reto pela cozinha. Eu senti o olhar raivoso dela
sobre mim quando eu falei, mas ela sabia o quanto eu achava aquilo tudo uma
bobagem. Eram os quinze anos, não se pode dirigir, nem comprar uma casa, nem ao
menos viajar sem a permissão de um responsável, então qual é a graça? Pra minha
prima, deve ser um computador novo pra ela. Enfim, não dava pra sobreviver com
o olhar de Miria sobre mim... — Olha você sabe que eu chego aqui cedo! Além
disso, a porcaria da festa vai ser só umas oito da noite, acha mesmo que eu vou
conseguir ficar na rua até tão tarde?
— A sua mãe às vezes diz que você fica o dia todo na rua
fazendo sei-lá-o-quê, então é melhor prevenir...
— Eu não fico na rua, eu fico no portão da minha casa
observando a rua. E eu estou te falando que eu vou chegar cedo hoje, então dá
pra confiar? — falei tentando não brigar com Miria pelo menos hoje, antes de
finalmente bater a porta atrás de mim e sair de casa.
Andava pelas ruas de Starlight City todos os dias me
sentindo num novo mundo. Um mundo de desconhecidos. Diferente dos meus pais que
conheciam Deus e o mundo por aqui, eu não conhecia ninguém da mesma forma que
ninguém me conhecia. Para eles, eu era tipo “o filho de fulano de tal” ou “o
garoto da casa tal”, mas ainda assim eu não fazia nenhuma questão de baixar meu
olhar enquanto andava pela rua, mantendo sempre a cabeça erguida. Mas confesso
que sempre agradecia a Deus pela minha escola ficar somente a alguns minutos
andando de minha casa.
E quando cheguei à “Buddy K. Holmes”, eu também não olhei
diretamente para ninguém. Não é que eu tinha ódio eterno das pessoas que
estudavam ou trabalhavam ali, mas também não tinha amizade para olhar alguém
olho no olho. Quanto a Buddy K. Holmes, o nome era um tanto bobo pra uma
escola, mas era em homenagem a um grande médico de Starlight City, e deve ser
por isso que a camiseta de gola do uniforme me lembre tanto um jaleco de
médico.
O lugar era grande, com um pátio e uma quadra enormes,
bastando subir até o terceiro andar de escada que chegávamos à minha sala de
aula, que era o lugar aonde havia chegado agora mesmo. Como sempre, eu fui o
primeiro a chegar, então fui para o meu lugar: era no fundo da sala, última
carteira, perto da janela; chamem-me de estranho, mas era o meu lugar favorito
naquela escola toda, pois era quieto, e eu ficava quase que completamente fora
da visão dos professores todo o tempo.
Sentei-me e coloquei minha mochila no chão, tirando meu
caderno e estojo e fiquei olhando aleatoriamente pela sala. Era um silêncio
danado por aqui, principalmente agora, quando a maioria dos alunos estava no
pátio não tendo a menor vontade de entrar na sala, a não ser eu. Mas parece que
isso havia mudado em um estalar de dedos.
De repente, uma garota entrou pela porta. Não era nenhum
aluno e muito menos um professor que eu me lembrasse de ter visto. Na verdade
parecia uma aluna, era uma garota loira de pele branca, olhos verdes e que
andava com um sorriso, mesmo sem motivo. Com o uniforme típico das meninas
daqui, saia xadrez e uma blusa de manga curta com o nome da escola, ela parecia
olhar para mim com a mesma surpresa e curiosidade com a qual eu olhava para
ela.
Logo parei de encará-la e desviei o olhar. Deu para perceber
que ela era nova só de olhar para ela, mas eu não queria amizades com ninguém
naquele lugar, muito menos com a novata da vez. O mesmo não pôde ser dito dela
em relação a mim, pois de repente, ela parou na minha frente e ficou me olhando,
como se quisesse dizer algo.
— Oi... — eu achei que ela estava meio perdida entre as
palavras, mas nada fiz, apenas fiquei ali olhando sua face confusa, esperando
sua coragem para dizer algo. Começou. Termina. — Eu sou nova aqui, dá pra ver
que eu estou muito perdida? — ela disse dando uma risada sem graça. Eu também
dei outra risada sem graça, tentando ser um mínimo simpático.
— Meio que dá. — Eu não queria papo nenhum com ela. Não
queria que ela me visse como o amigo dela lá dentro, eu queria que ela achasse
alguém que quisesse estar com ela tanto quanto eu queria estar sozinho. Acho
que estou sendo dramático, afinal a garota só estava puxando papo, mas é sempre
assim que começa...
— Eu sou Chloe, Chloe Lights. Eu acabei de me mudar pra essa
parte da cidade e então eu não conheço muita coisa... — ela continuava a falar,
contando a história dela como quem queria criar uma amizade, sabe? — Alguém
senta aqui? — perguntou, apontando para a cadeira à frente da minha. Como eu já
disse, ninguém ali falava comigo, da mesma forma que ninguém sentava perto de
mim. A resposta, era simplesmente obvia.
— Eu acho que não, mas...
— Ótimo! — ela disse, sem me deixar terminar de falar e já
se sentando a minha frente. Ela deixou a mochila no chão exatamente igual a mim.
Após isso, ela se virou novamente — Qual é o seu nome? — ela perguntou. Pra uma
novata ela já falava bastante.
— Ryze. — Não dei espaço para nenhuma conversa.
— Ryze do que?
— Isso é mesmo necessário? — eu perguntei, chegando ao meu
limite de simpatia, aquilo já estava começando a ficar ridículo. Será que eu
não estava transparente sobre as minhas intenções com ela? Ou pelo menos sobre
a falta delas?
— O que?
— Essa coisa de tentar criar amizade. — Chloe pareceu ainda
não ter entendido. Eu revirei os olhos para isso, como ela podia ser tão lerda?
— Não vai querer fazer amizade comigo, Chloe! — eu disse logo me encostando à
cadeira.
— Por que não? Você é algum tipo de serial-killer,
traficante, lobo solitário ou algo do tipo? — primeira brincadeira; ela realmente
queria amizade. Eu me mantive sério para ver se ela se tocava.
— Não preciso e nem quero amigos... — Abri meu caderno pra
fingir que fazia alguma coisa. Aquela conversa não estava sendo legal.
— Tudo mundo precisa de amigos! — Chloe se manteve firme em
sua frase. Olhei pra ela e vi seu rosto pacifico apesar de tudo, mas antes que
eu pudesse responder alguma coisa, ela se virou para frente. Ótimo, apesar de
todas as minhas tentativas de não me aproximar da novata, ela agora deveria
achar que eu sou algum tipo de lobo solitário, serial-killer ou traficante.
Bem, até que ela tinha razão em certas partes...
— E se não quisesse amigos, não teria se dado ao trabalho de
lembrar o meu nome. — Disse ela sem se virar. Eu responderia se o professor não
tivesse acabado de chegar, com sua calça jeans, colete preto e pilhas de livros
de sempre!
Eu respirei fundo, não aguentava mais aquela escola.
Foi ai que eu notei um brilho mais do que estranho vindo de
dentro da minha camiseta branca. Ao olhar por dentro da mesma, eu percebi que o
meu colar, aquele que eu carregava no pescoço há tempos desde a minha infância,
estava brilhando. Aquilo estava me assustando. O meu colar nunca brilhou
durante todo o tempo em que estive com ele, e agora ele estava brilhando?
Tirei-o do meu pescoço para checar aquele estranho brilho
azul direito. Contudo, assim que o tirei, o colar havia parado de brilhar de
uma hora pra outra. Tudo bem, aquilo já havia ultrapassado o estranho e estava
indo para o sobrenatural. Não sou paranoico! Eu nunca acreditei ou desacreditei
da ideia de que coisas sobrenaturais existissem, como vida após a morte, de que
existem magias negras em algum lugar fora daqui, mundos misteriosos a serem
descobertos... Na verdade, eu sempre considerei que pudessem existir mundos
diferentes do nosso por ai. Afinal, por que se limitar a somente um pequeno
espaço, se esse universo é tão grande?
Não acha?
— Senhor Hope, deseja compartilhar algo com a gente?! — o
professor praticamente gritou comigo. Odiava gritos, ouvia gritos o dia todo, e
depois me perguntavam mesmo o porquê de eu querer ir para o cemitério à noite.
Mas enfim, às vezes dava vontade de fingir que o professor não estava ali.
— Não! — respondi a mesmo tom, o deixando dar a aula dele em
paz, contanto que ele também me deixasse quieto.
Capítulo II: Starlight City – Parte II
Depois de passar horas e mais horas naquele centro de
tortura de jovens que chamavam de escola, eu segui o meu caminho para casa como
fazia todos os dias, até que ouvi alguém gritando o meu nome. Quem era o maluco
que gritava assim no meio da rua?
Virei para trás para ver quem era.
Adivinhem: Chloe Lights
— Para de gritar — Eu falei calmamente
quando ela chegou perto de mim, mas ela não se mostrou afetada pelo que eu
disse, somente erguendo a sobrancelha. — Se eu ainda tinha alguma duvida de que
alguém não sabia o meu nome nessa rua, agora eu não tenho mais!
Ela de repente riu. Começava a achar
que essa garota tinha algo de bipolar.
— O que está fazendo aqui? — perguntei.
— Bom esse é o meu caminho de volta pra
casa. — Ela se demonstrou confiante no que falava e eu acreditei. Afinal, por
que ela mentiria sobre aquilo?
— Tudo bem. — Disse seguindo o meu
caminho.
— Ah, Ryze... — Ela me chamou e me
virei novamente para ela.
— O que?
— Eu pensei que a gente podia, sei
lá... — Ela estava realmente tímida para falar aquilo que queria. —... Pensei
que poderíamos ir juntos pra casa!
Aquilo havia me pegado de surpresa.
Estava na cara que Chloe só tentava ser amigável, mesmo sendo tão ruim lidando
com pessoas quanto eu, ou talvez eu só a assustasse mesmo. A diferença era que
ela tentava se aproximar, enquanto eu sempre tentava me afastar, mas por algum
motivo, as pessoas sempre voltavam para mim.
Antes que eu pudesse responder qualquer
coisa, eu notei um brilho estranho vindo do braço direito de Chloe. Um brilho
avermelhado e fraco, algo que só quem estivesse perto o suficiente como eu
estava poderia ver.
— Seu pulso está vermelho. — Eu falei e
ela levou a mão ao braço instantaneamente pra cobrir o brilho. — Está tudo bem?
— Tá sim, é só uma coisa que acontece
raramente, eu não entendo muito disso... — Eu alternava meu olhar entre seu
rosto e seu pulso coberto — Então, até mais Ryze.
— Você não queria ir comigo pra casa? —
ela passou por mim e ficou andando de costas para falar.
— Eu preciso ir agora!
— Por quê?!
— Motivos de força maior! A gente se
esbarra!
Ela continuou andando normalmente,
dessa vez com as mãos no bolso. Fiquei olhando um pouco mais enquanto ela ia
embora e fiquei imaginando o que poderia ser.
Não me prendi àquilo e só esperei Chloe
sumir de vista para fazer meu caminho de volta pra casa.
Em passo rápido como sempre, eu logo
cheguei em casa. Passei pela cozinha e ao chegar à sala encontrei a minha tia
Miria, jogada no sofá com um notebook no colo. Ela é jornalista e fazia
diversas das matérias que apareciam no jornal local, e depois de vários anos se
dedicando à carreira, ela conquistou o direito de poder trabalhar em casa na
maioria dos dias da semana.
— Chegou cedo, já é meio-dia?
— Já passou da uma hora. — Ela fechou o
notebook e se levantou do sofá.
— Está com fome? Eu estava entediada e
fiz bolo de chocolate, não é a minha melhor receita, mas é uma delicia! — eu me
esqueci de dizer que a minha tia também adorava cozinhar. Ela não era a melhor
quando se tratava de comidas cotidianas, mas quando se tratava de doces e
sobremesas, Miria era ainda melhor que a minha mãe.
— Mais tarde talvez. — Subi as escadas
para o meu quarto e pude ouvir um suspiro.
— Ryze vem aqui. — Desci as escadas
revirando os olhos. Eu fiquei parado olhando para ela de braços cruzados
enquanto Miria procurava as palavras certas para dizer aquilo que queria. — Eu
sei que tem sido difícil! Nos últimos três meses, se conformar com o fato de
que eles não estão mais aqui e que nenhum dos dois vai voltar. Mas eu estou
tentando Ryze, eu too tentando me adaptar com um adolescente dentro de casa,
com a vida nessa cidade, eu too tentando fazer com que isso seja o mais normal
possível pra você e...
—... Acha que a morte é uma coisa
normal? — interrompi sua fala e ela olhou para mim com certo espanto — A morte
não é uma coisa normal, a morte é uma coisa que leva pessoas que não deveriam
ir embora e simplesmente vão. A hora deles não havia chegado.
Voltei a subir as escadas, passei pelo
corredor e fui para o meu quarto.
— Lembre-se, quero você pronto às seis
e meia pra festa da sua prima! — Miria gritou.
Eu havia me esquecido completamente
daquela festa. Será que ninguém havia notado que eu só estava querendo ficar em
paz? Afinal, qual era o sentido de ter que ir à festa de uma pessoa que você
nem gosta?
Sabia que debater não adiantava de nada
com a minha tia, então seria melhor vestir o que eu quisesse antes que ela
pudesse invadir o meu quarto e começar a escolher as minhas roupas por mim, eu
odiava quando faziam isso.
Larguei minha mochila no chão e retirei
minha camisa, deitando na minha cama em seguida. Dormiria, mas acabei por ver
meu colar sobre o colchão, agora sem aquele brilho azul peculiar.
Eu ainda pensava nisso, pois não era
muito normal um colar brilhar do nada, principalmente quando você sabe que ele
não é assim e nem foi feito pra isso. E aquilo na mão de Chloe? Ela ficou muito
estranha depois de eu ter falado da luz vindo da mão dela, pareceu estar
assustada, nervosa, querendo esconder algo...
Acho que havia desmaiado de sono na
minha própria cama, pois havia dormido e acordado do mesmo jeito: olhando para
aquele colar. Decidi deixar aquilo de lado por enquanto, teria uma noite cheia.
Ouvi batidas na porta do meu quarto e
voltei para a realidade.
— Ryze você já está pronto? — minha tia
falou e eu olhei para o relógio de parede no mesmo segundo. Seis horas? Sério
mesmo que eu havia dormido a tarde toda? — Você estava dormindo não é? — Miria
invadiu o meu quarto — E ainda está com a roupa da escola, Ryze?
— Eu já vou pro banho, tá legal? — falei
antes que ela pudesse me dar mais sermão e sai do meu quarto diretamente para o
banheiro.
Lá, tranquei a porta e entrei no box
para tomar meu banho. Será que eu só tinha sossego nessa vida quando estava
dormindo?! Eu não sei se alguém notou ou se somente não se importa, mas tudo o
que eu quero é ficar sozinho, sem festas, sem gente para eu me preocupar ou
gente se preocupando comigo. Sai do box, me sequei com uma toalha e amarrei a
mesma na cintura, logo me dirigindo ao meu quarto e, mais uma vez, trancando a
porta. Notei que havia um cabide com roupas em cima da minha cama que agora
estava bem arrumada.
— Valeu Miria, você sabe como eu amo
isso! — gritei, sabendo que havia sido minha tia quem havia feito aquilo.
— Disponha! — ela gritou de volta e eu
dei uma risada fraca. Era um colete azul escuro, blusa branca de manga comprida
e uma calça social preta. Se fosse numa festa normal eu não me vestiria assim,
mas se você conhecesse a minha prima saberia que ela adora gritar por bobagem.
Enfim, joguei a calça social pra longe e fui ao meu guarda-roupa pegar um jeans
azul meu. Eu nunca usei calça social e não seria hoje que usaria.
Coloquei a minha roupa e deitei
novamente na minha cama, esperando até a hora em que a minha tia decidisse
fazer outra tempestade em copo d’água. Olhei no relógio e era cedo ainda, seis
e quinze, olhei para o lado procurando algo para me distrair e, ai estava ele
de novo, como se estivesse tendo alguma birra em continuar do meu lado a
qualquer custo: meu colar.
Como sempre, o coloquei assim que o vi
e fiquei tocando nele para ver se encontrava algo. Podem achar que é paranoia,
mas se estivessem no meu lugar, com um objeto que carregaram durante toda a sua
vida, como se fosse uma espécie de guardião, e de repente estivessem
acontecendo coisas estranhas com ele, como brilhar sem motivos... Bem, acho que
já deu pra perceber onde quero chegar.
Escondi meu colar por dentro da camisa
social. Decidi descer antes que minha tia tivesse que me chamar de novo. Na
sala, vi-a pronta pra subir as escadas.
— Eu já ia te chamar, mas pelo visto você
já está pronto! — Miria disse, olhando para minha roupa. — O que aconteceu com
a calça social.
— Aquela calça nem minha é. — Disse eu.
Minha tia nada mais falou, pois percebeu que havia pisado em gelo fino. Na
verdade, eu nunca tive calças sociais, e aquela era do meu pai. Eu não me
incomodaria de usá-la, se ele ainda estivesse por aqui...
— É melhor irmos, sabe como a sua prima
é chata com essas festas dela... — minha tia disse e eu dei risada. Aquela
deveria ter sido a primeira verdade que Miria falou o dia todo — Vamos. — Ela
disse e nós dois saímos de casa, indo para a garagem. Lá, entramos no carro e
ela abriu o portão por um botão no carro. Quando saímos, Miria pressionou o
mesmo botão para fechar o portão.
Na ida, minha tia ficou escutando suas
típicas músicas antigas. Por alguma razão, eu acho que depois que se passa dos
trinta fica difícil se apegar em qualquer outra coisa que não seja aquilo que
você conviveu durante toda a sua vida. Quer dizer, pelo menos com a minha
família toda foi assim...
— Que tal ouvirmos outra coisa?
— E desde quando você gosta de música?
— minha tia me respondeu, brincalhona.
— Não gosto, mas é triste ver você
escutar sempre as mesmas músicas quando entramos nesse carro.
— Gente velha é assim mesmo, ao mesmo
tempo em que tentamos andar conforme a música, nós gostamos de olhar para trás
uma vez ou outra.
Eu dei uma risada sem graça e virei
para o lado. Miria filosofava com um sorriso no rosto, como se aquelas músicas
estivessem fazendo-a purificar sua alma, a ser jovem novamente. Por um lado eu
entendia. Ficamos por um tempo na estrada a caminho da casa de minha prima.
— Chegamos!
Minha tia saiu do carro e, depois de um
tempo encarando aquela grande mansão que meus parentes chamavam de “casa”, eu
fiz o mesmo. Era completamente pintada de branco e soube que meus avôs, Bryce
Hope, pai de meu pai, e Burn Souls, pai de minha mãe, que por acaso eram
grandes amigos em sua juventude, haviam construído ela completamente sozinhos
quando eram jovens. Demorou cerca de dez anos, mas finalmente ficou pronta, e
nesse meio tempo, eles conheceram minhas avós, Sonya e Sara, mãe de meu pai e
mãe de minha mãe, respectivamente.
Daí, todos os filhos dos meus avôs e
minhas avós, incluindo meus pais, moraram aqui. Eu ouvi dizer que ninguém
gostou muito quando o filho mais velho de Bryce quis casar com a terceira filha
de Burn, mas no final, todos continuaram unidos... Quer dizer, pelo menos do
jeito deles.
— Vai ficar olhando o dia todo? Temos
que ir.
— Eu já vou! — reclamei. Custava esperar
um segundo?
Saímos da rua e entramos no terreno
daquela grande mansão, que por um milagre, não havia seguranças. Adentramos o
jardim com as chaves de Miria, e o atravessamos em direção a enorme porta
marrom. Quando aberta, pude ouvir o barulho de uma daquelas músicas teen que minhas primas tanto gostavam, e
que chegou aos meus ouvidos como o som de um longo e doloroso apito.
— Merda...
— Resmunguei, mesmo vendo minha tia Branca, a mulher de cabelos castanhos e
olhos azuis com um vestido de gala vermelho, quando ela atendeu a porta.
— Miria! Ryze! Estávamos falando de
vocês agora mesmo! — pelo que eu conheço dessa mulher, coisa boa ela não
falaria. Digamos que, apesar de tudo, eu tive sorte de ter Miria como minha
guardiã legal. Dentre Branca, Clara, Diana, Alice e ela mesma, Miria sempre foi
a que teve uma melhor aura.
Alice e Miria são as únicas que não
tiveram filhas, e Diana e minha mãe foram as únicas a terem sorte no amor. Já
Branca e Clara, casaram-se, tiveram uma filha cada, e separaram-se. Hoje em
dia, ninguém mais ouve falar de seus maridos.
— Oi Branca. — Minha tia disse, dando
um abraço carinhoso na irmã. Tão ingênua — Faz tanto tempo...
— Desde o enterro de Rebecca...
— Não é pra falar o nome de quem já
morreu. — Eu disse, fazendo minha tia ficar sem graça e cabisbaixa, mas mesmo
assim ela não tirou o sorriso do rosto.
— Ryze! Que bom que está aqui! — ouvi
uma voz masculina. Era o meu tio Streah, o único irmão do meu pai e filho
caçula de Bryce, com seu cabelo ruivo despenteado e seus olhos azuis.
Streah sentiu muito a perda de seu pai
e de seu irmão, tendo perdido sua mãe muito mais cedo. Ele tinha vinte e sete
anos, não tinha esposa ou filhos para ajudarem a passar por aquele momento
difícil. Estava sozinho... Tão sozinho quanto eu. Mas a diferença é que, depois
de tudo, Streah ainda tinha forças para sorrir...
Um otimista nato.
— É bom te ver tio! — abracei-o — Soube
que você se mudou pra Starlight City.
Com meu tio eu sempre fui mais aberto,
sabia que podia falar qualquer coisa pra ele. Não que Miria não fosse assim,
mas ela não me entendia tanto quanto ele.
— Sim, sabe como é, recuperar o tempo
perdido... — Era incrível ver como o acidente não lhe afetou em longo prazo. O
mesmo sorriso de garoto de sempre, aquilo era um milagre completo. — Miria,
você também veio! E linda como sempre...
— Para de puxar meu saco seu tarado! —
Miria disse e foi inevitável: eu ri. Os dois sempre insistiam em brigar quando
se encontravam. Soube que, assim como meus pais, eles namoraram quando eram
adolescentes, mas acabaram terminando quando Miria se mudou daqui. — Como vai
você nas suas “noites silenciosas” em seu apartamento?
— Só tenho uma garota na minha vida
agora, Miria!
Aquilo me espantou e olhei para todos
ali como se quisesse respostas, mas enquanto Miria se mostrou tão surpresa
quanto eu, Branca não me daria respostas e Streah me daria algum fora sem graça
se eu perguntasse.
— Que bom, então suponho que parou de
bater na casa dos outros completamente bêbado...
— É, o amor muda algumas pessoas. —
Disse Streah, e eu pude ver Miria entrar batendo ombros com meu tio. Alguém
mais acha que ela não superou? — Quer conhecê-la, Ryze?
— Seria bom... — Disse, finalmente
entrando na casa. Era exatamente como você poderia imaginar o salão de festas
de uma mansão, com uma escadaria enorme e corredores para a esquerda e para a
direita. Nada de muito interessante...
— Chloe, pode vir aqui, por favor?
— Perai, quem?
— Fala tio... Ryze?! — acho que vocês
já conhecem a cena e quem era: Chloe Lights, a garota insuportavelmente alegre
da minha escola que por algum motivo estava na festa de quinze anos da minha
prima insuportavelmente falsa. Ela estava com uma camiseta vermelha, um colete
azul e uma saia branca. — O que está fazendo aqui? — ela me deu um abraço e
fique sem poder me mexer.
— Tentando respirar...
— Desculpa... Mas é que eu não esperava
te ver por aqui!
— Então vocês já se conhecem? Bem, isso
facilita tudo! Eu vou ver como a sua tia Miria está, tudo bem Ryze?
— Está bem... — Eu disse, vendo ele se
afastar e mais uma vez vendo a figura de Chloe a minha frente — Como conhece
minha prima?
— Não conheço, é que o tio Streah...
— Tio Streah?
— Da pra me deixar falar uma frase
antes de me cortar? — Chloe falou. Eu então fiquei calado e ela encarou como um
“continue”. — Obrigada. Ele é um amigo do meu pai, que por acaso teve que ir a
uma viagem de negócios e não pode me levar, então vou passar um mês na casa
dele...
— E a sua mãe?
— Digamos que ela também esteja bem
longe daqui! — ela disse divertida. — E você faz o que aqui?
— Sou primo da Emma... Aliás, cadê ela?
Eu só vou esperar ela aparecer e vou cair fora daqui!
— A aniversariante? Ainda não chegou,
acabo de descer do quarto dela e as suas outras primas estão praticamente
morrendo na ausência dela. Parecem abelhas atrás da rainha... — Nem iria
comentar nada quanto a isso. — E eu queria tanto dançar, mas mesmo se ela
chegar, nem par eu tenho... — Chloe demonstrou a tristeza em sua face e eu
arregalei os olhos em ironia. Adolescentes, somos todos uns idiotas, nos preocupando
com coisas que não valem à pena... — Você podia dançar comigo, Ryze!
De onde isso surgiu?
— Vai sonhando. Eu não danço!
— Tudo mundo dança, só existem modos
diferentes de dançar. Por exemplo, aquela mulher ali — Chloe apontou para minha
tia Clara, a loira de vestido branco que estava dançando sozinha e calma no
salão — Ela dança de uma maneira mais rígida, ela realmente se importa com a
sua postura, é um pouco perfeccionista demais, mas isso a impede de pagar mico.
Agora, aquela outra mulher ali — Desta vez, ela apontou pra minha tia Miria,
que por acaso usava um vestido azul e estava dançando com o meu tio Streah. —
Ela dança por diversão, não está nem ai pra agradar os outros ou para o cara
que chamou ela pra dançar... Apesar de que o tio Streah escolheu bem!
— É a minha tia, ok? E eles são primos.
— Sério?
— Sim, de consideração. Tipo, meus avôs
eram praticamente irmãos e moravam nessa mesma casa com as minhas avós, então
meu pai era primo de consideração da minha mãe... E Miria, junto com todas as
suas irmãs, é prima de consideração do tio Streah.
— Perai, seus pais moravam na mesma
casa quando jovens? — eu entendia Chloe, era meio difícil entender toda aquela
bagunça.
— Sim. Minha mãe é a terceira filha do
meu avô Burn e meu pai é filho mais velho do meu avô Bryce, mas ele já morreu.
— E as suas avós?
— A minha avó materna, Sonya, morreu no
parto da minha tia caçula, Alice, enquanto a minha avó paterna, Sara, saiu
daqui sem mais nem menos... E nem mesmo meu tio Bryce entendeu o porquê.
— Nossa... Que coisa triste Ryze. —
Percebi que Chloe ficou meio sentida por isso, mas não entendi muito bem o
porquê. Ela não conhecia nenhum deles, então por que deveria ficar sentida? — E
o seu avô Burn? Ele ainda é vivo?
— Sim e não. Ele está vivo, deve estar
descansando lá em cima, mas depois da morte do meu avô Bryce, ele foi declarado
“psicologicamente instável”. Ou seja, não pode sair desacompanhado e nem tomar
decisões sobre a própria vida, então eu fico preocupado com ele aqui com esse
monte de débeis mentais...
— Suas tias?
— Isso. Acho que Alice e Diana são as
únicas que se salvam aqui.
— Ryze, tudo bem? — pude ouvir a voz de
minha tia Alice, só a reconheci porque estava doce como sempre e seu sorriso,
junto com o do meu tio Streah, era o mais natural daquela casa. Com um vestido
rosa, ela chegou me abraçando forte. — Está crescido! Teve a quem puxar. — Ela
se referiu ao meu pai.
— Valeu tia Alice.
— Espero que esteja preparado pra
dança...
— Dança?! — como assim? Ninguém me
falou que eu precisaria dançar.
— É... A dança da festa de quinze anos.
Eu também acho horrível, mas todos os jovens tem que participar... Inclusive
você Ryze.
— Tudo bem... Eu já volto. — Sai dali
em passo rápido, indo em direção a Miria. A mesma, quando percebeu meu olhar
furioso, virou as costas. — Não adianta disfarçar não, eu já te vi!
— Ryze, como é bom ver você,
aproveitando a festa? — ela deu um sorriso, tentando desviar o assunto, mas ao
ver que a minha face não mudou, Miria desistiu. — Tudo bem, fala.
— Por que você não me falou que eu
teria que dançar nessa porcaria?!
— Ué, eu achei que você soubesse, é uma
tradição nas festas de quinze anos de Starlight City.
— Ah é? Então não notou que eu não
trouxe ninguém comigo pra dançar, espertalhona?
— Você pode dançar com qualquer uma... A
loira com quem você estava conversando, por exemplo. — Ela se referiu a Chloe,
que quando vi estava inocentemente conversando com a minha tia Alice.
— A Chloe? — será que era um complô
para me fazer pagar papel de idiota?
— É vocês formam um belo casal...
— Não somos um casal. — Interrompi.
Você gostaria que começassem a falar por ai que você é namorado da patricinha
da vez? — Esquece! Eu não vou dançar.
— Então é melhor se esconder porque eu
não vou dar essa noticia pra sua tia Branca. Você vai? — Miria só me colocava
em furadas. Olhei para Branca, que por acaso estava brigando com um garçom do
outro lado do salão. Suspirei.
— Me dá a chave. — Falei sem paciência.
Depois de um tempo me encarando, Miria cedeu. — Vou me esconder no carro. — Fui
para a cozinha, pois lá havia uma saída para a porta dos fundos. Andei até o
carro de minha tia, destravei as portas, e entrei no mesmo, trancando as portas
novamente. Fiquei lá no banco de trás do carro, encostado na porta, sozinho com
minha mente. Devo ter ficado lá por um bom tempo, vi até um carro chegando e
trazendo minha prima Emma e, mesmo assim, fiquei lá dentro. Duvidava que ela
fosse sentir minha falta.
Aquela festa tudo o que eu já esperava
que fosse: uma bagunça completa. Sabe quando te convidam pra alguma coisa que
sabem que você não vai curtir, mas convidam mesmo assim por uma questão de
“educação”? Então, acho que seria mais educado não convidar para começo de
conversa.
Desviei-me de meus pensamentos por umas
batidas no vidro do carro. Era Chloe, que estava com uma cara de interrogação,
ao mesmo tempo em que me olhava fixamente. Pensei em falar alguma coisa para
ela, mandá-la embora, mas no fim, tudo o que fiz foi destravar as portas.
Chloe entrou e sentou-se de frente para
mim. Ficamos nos encarando durante um bom tempo, sem dizer uma palavra. Ela não
perguntou nada, ficou ali sentada, olhando para mim por uns dez, quinze
minutos. Eu também não perguntei nada, só fiquei correspondendo ao seu olhar
por um bom tempo.
Quando iria perguntar o porquê dela
estar ali, vi a pulseira que Chloe usava exalar seu brilho avermelhado mais uma
vez, exatamente como mais cedo. Ela logo tratou de esconder a pulseira,
colocando a mão direita atrás das costas. Aquilo já estava virando uma
palhaçada.
— Algum problema? — perguntei.
— Não, por quê?
— Sei lá, você entra aqui sem mais nem
menos... — Me aproximei um pouco mais de Chloe, enquanto a mesma parecia
assustada com o ato. Ela pareceu procurar uma saída dali, mas quando notou as
portas trancadas, voltou a me encarar.
— O que está fazendo?
Ela mal terminou sua frase e então eu
puxei o seu braço com força de trás de suas costas, revelando o brilho
avermelhado que ainda estava ali presente. Chloe não parecia surpresa, talvez
frustrada, mas nada surpresa com a minha ação ou com o brilho.
— Gostou da pulseira foi? — se soltou
de minhas mãos.
— Até parece Chloe. Isso não é normal,
uma pulseira que brilha de uma hora pra outra do nada?!
— Tudo bem! Para de gritar! Quer que eu
te explique o porquê disso? — ela perguntou, se ajeitando no banco do carro. —
Na verdade, eu também não sei exatamente o porquê disso...
— Como assim? — voltei a me encostar à
porta do carro.
— Sei lá. Eu ganhei essa pulseira na
maternidade aonde eu nasci aqui mesmo em Starlight City. Sempre a usei pra ir
para todos os lugares, eu gosto dessas pedrinhas nela, mas nenhuma tinha
brilhado até hoje de manhã. E o mais estranho — Ela retirou a pulseira de seu
pulso, e o brilho que havia nela, se apagou, fazendo com que a mesma parecesse
uma pulseira completamente normal. Foi só ela colocar a pulseira novamente, que
o brilho avermelhado voltou.
Eu pensei naquilo, a história da
pulseira de Chloe batia exatamente com a história do meu colar.
— Tenho que te mostrar uma coisa. —
Falei, enquanto retirava meu colar de dentro da minha camisa. Quando vi, ele
também brilhava, a única diferença era que o brilho do meu colar era azul.
Chloe havia ficado surpresa ao me ver usando uma peça semelhante a que ela
tinha, e alternava seu olhar entre minha face e meu colar. — Nossas histórias
batem Chloe! Ganhamos na maternidade, usamos por toda a nossa vida sem nenhum
problema, até hoje de manhã, quando brilharam pela primeira vez. E, além
disso... — Retirei o colar do meu pescoço — Ele não brilha se eu tirar ele do
pescoço.
Eu de repente notei algo muito
estranho: quando retirei meu colar do pescoço, a pulseira de Chloe também parou
de brilhar, mesmo com ela usando-a.
— Eles têm uma conexão! — Chloe disse,
pegando meu colar e colocando de volta no meu pescoço. Além de o meu voltar a
brilhar, a pulseira dela também voltou.
As duas peças estavam conectadas, uma
não brilhava sem a outra, e provavelmente nenhuma brilhava sem nós. Chloe tinha
um olhar luminoso para toda aquela situação, um olhar maravilhado semelhante ao
de uma criança fazendo novas descobertas. Eu quase havia me entregado àquele
olhar também, mas foi ai que a ficha caiu...
— É só um colar e uma pulseira que
brilham.
Dito isso, Chloe perdeu seu olhar
mágico e me olhou com fúria.
— Não percebeu seu idiota?! Tem que ter
algo por trás disso, parece até...
— O que? Magia?! — eu disse, dando uma
risada irônica, enquanto Chloe continuava séria. Havíamos invertido os papeis?
Enfim, logo voltei a falar sério — Chloe, eles são no máximo fabricados pra
brilharem quando estão perto um do outro.
— Então por que eles só brilham quando
estamos usando eles?
— Sei lá! Mas magia é coisa de contos
de fadas, até parece que você não vive nesse planeta. Alô, Terra chamando Chloe!
— bati em sua cabeça como alguém batia em uma porta, mas ela logo tirou minha
mão de perto dela.
— Vamos por partes! Você disse que tem
esse colar desde a maternidade, não é isso?
— Sim, e o que é que tem?
— Onde você nasceu?
— Sei lá!
— Isso é importante! Se tivermos alguma
conexão além do seu colar e da minha pulseira temos que descobrir. Eu nasci no
“Health K. Lives”, que por acaso é o nome do pai do Buddy K. Holmes, que hoje
trabalha nesse hospital e dá nome a nossa escola. E sim, eu prestei atenção nas
aulas de história. — Disse ela, sarcástica.
Eu estava tentando entrar na
perspectiva de Chloe, saber aonde ela queria chegar com as peças do
quebra-cabeça que tinha em mãos, porém, às vezes eu achava que nem ela mesma
sabia quantas peças possuía.
— Raciocina Ryze. E se esse tal de
Buddy fez o nosso parto? Pode ter sido ele que nos deu esses colares.
— Você está maluca! Esse tal de Buddy é
um médico, não uma babá, pra que ele ia dar presentes assim pra duas crianças?
— É isso que eu estou tentando
descobrir, será que dá pra me ajudar?!
Chloe parecia estar com a cabeça a mil.
Ela estava tentando chegar a algum lugar, mas eu não achava que houvesse algum
lugar para se chegar. Mesmo se tudo o que ela falou até agora estivesse certo,
por que Buddy K. Holmes daria presentes a dois recém-nascidos? Ele nem nos
conhecia, e tenho certeza que também não conhecia nossos pais, bem, pelo menos
não os meus pais.
Em um momento daqueles, eu ficaria
quieto deixando Chloe averiguar o que acontecia. Mas tenho que admitir: a
curiosidade não deixou. Por mais que eu quisesse negar, colares que brilham de
repente e um médico que dá presente para dois recém-nascidos são coisas meio
difíceis de se engolir sem mais detalhes, então resolvi ajudar.
— Que dia você nasceu? — Chloe olhou
para mim surpresa, talvez ela não esperasse iniciativa da minha parte. Não
podia culpá-la, nem eu mesmo esperava. — Você não queria ajuda? Então, isso
pode ajudar!
Dito isso, ela abriu um sorriso, um
sorriso que parecia ser de orgulho...
Estranho.
— Eu nasci dia 29 de Setembro de 1997,
e você?
Como? 29 de Setembro de 1997? Como isso
era possível?
— Ryze, tudo bem? — Chloe perguntou.
Talvez eu tivesse deixado escapar minha surpresa pela minha cara, mas foi
inevitável.
— Dia 29 de Setembro de 1997...
— Como?
— Nascemos no mesmo dia, Chloe. —
Respondi. Pela primeira vez naquele carro, eu realmente achava que estávamos
com todas as peças do quebra-cabeça nas mãos. Eu acreditava em coincidências,
mas tantas assim eram demais pra uma pessoa só.
Eu e Chloe nos encaramos, o que tudo
aquilo poderia significar?
— Ryze, temos que ir embora... — Minha
tia Miria bateu no vidro do carro, e tinha uma cara espantada pela presença de
Chloe ali. Eu destravei as portas e ela entrou pelo banco da frente. — Oi, tudo
bem? Você deve ser a Chloe, o seu tio Streah estava te procurando, ele tem que
ir trabalhar amanha cedinho, então precisa chegar em casa logo.
— Tudo bem Miria, eu já ia procurá-lo
mesmo. Tchau Ryze, até amanhã. — Disse Chloe, abrindo a porta do carro e saindo
do mesmo, sem olhar para trás e andando firme em direção até a porta. Isso era
muita coisa na cabeça dela... E na minha também.
— Que milagre, Ryze com uma garota! —
Miria brincou no banco de motorista. Revirei os olhos e logo pulei para o banco
da frente. — Calma Ryze, namorar na sua idade é normal.
— Ela não é minha namorada, é só uma
garota estranha que conheci na escola.
— Então vocês têm muito em comum! —
Miria deu a partida no carro, sorridente. Será que toda essa felicidade era por
achar que eu estava namorando? Se fosse, eu não ia continuar a negar, pois
quando minha tia dá pra formar um casal, ela não muda de opinião.
O caminho de volta pra casa foi
silencioso, sem transito e nem música no carro.
— Perdeu a dança de quinze anos da sua
prima, foi tão lindo!
— Só que não.
— Você não estava lá.
— Mas eu tenho certeza que foi uma valsa,
e toda valsa é horrível. — Virei o rosto para a janela.
— Nem toda a valsa é assim. Aquelas que
são dançadas por duas pessoas que se amam são lindas!
Eu olhei para Miria, que estava com o
mesmo sorriso de quando entrou no carro.
— Então você dançou com o tio Streah
foi? — falei e ela me deu uma encarada feroz, a primeira do dia que recusei,
preferindo voltar a olhar pela janela.
Depois de mais um tempinho, “chegamos
ao nosso lar”, como diria meu pai. Miria estacionou o carro na garagem e logo
entramos em casa. Lá, o relógio da sala marcava dez e meia, um pouco cedo, mas
pra Miria já era tarde.
— Hora de dormir, Ryze.
— Para de me tratar como criança,
grande parte dos adolescentes ficam acordados até três horas da manhã.
— Correção: grande parte dos adolescentes
ficam acordados até três horas da manhã, na internet. Como você não mexe no
computador, direto pra cama! — Miria brincou novamente. É, a dança com Streah
deve ter deixado ela animada.
Eu estava pronto para subir as escadas e
ir para o meu quarto, mas no meio do caminho, lembrei-me de uma coisa, uma
pergunta que Chloe havia me feito, mas que eu não pude responder.
— Miria...
— Eu?
— Aonde eu nasci?
— Aqui mesmo em Starlight City, você
sabe disso.
— Não, eu quero dizer... Qual é o nome
do hospital em que eu nasci? — perguntei. Miria pareceu ficar intrigada com tal
pergunta, provavelmente não entendeu o motivo de minha curiosidade.
— Pra que você quer saber?
— É um trabalho de história, temos que
fazer uma pesquisa que fala sobre nós desde o dia do nosso nascimento, até os
nossos dias atuais.
— Bom se é pra um trabalho de escola,
acho que o meu sono pode esperar. Afinal, você nunca fez um trabalho na vida...
Muito menos de história! — dei de ombros e Miria subiu as escadas, passando por
mim — Vem comigo.
Assim, Miria me levou até o antigo
quarto dos meus pais. Ninguém dormia lá, nem mesmo ela, pois decidimos que
seria melhor deixar tudo intacto, assim sempre teríamos uma memória deles. O
guarda-roupa de madeira pura, a cama de casal modesta com um criado mudo de
cada lado, a cômoda com uma televisão de tubo, tudo continuava igual.
Enfim lá dentro, Miria abriu uma gaveta
do criado mudo de minha mãe, onde eu lembro que ela guardava de tudo:
documentos importantes, contas, álbuns de família, se duvidar guardava até o
meu primeiro fio de cabelo. Após uma rápida procura naquela gaveta, Miria achou
uma pasta transparente com vários papeis dentro.
— Aqui a sua mãe e seu pai guardavam
tudo que tinha a ver com você, tiravam uma foto por ano e colocavam aqui, cópias
do seu RG, CPF e... Aqui está uma cópia da sua certidão de nascimento.
— Espertalhona, aqui em Starlight City
não se coloca o nome do hospital nas certidões de nascimento.
— Mas seus pais queriam um registro
completo, então escreveram a caneta bem aqui. — Ela apontou onde estava
escrito: “Hospital — Health K. Lives”. Minhas suspeitas se confirmaram, eu e
Chloe havíamos nascido no mesmo hospital.
— E aonde é que fica esse hospital?
— Pelo que eu me lembre, fica bem perto
da sua escola, Ryze. Dez minutos de caminhada e você chega lá.
— Entendi... Valeu tia.
— De nada, Ryze. Agora vai dormir! — ela
ordenou e eu preferi obedecer. Fui para o banheiro, escovei os dentes e voltei
o corredor em direção ao meu quarto. Lá, troquei minha calça jeans por uma
bermuda azul e minha camiseta social por uma verde normal.
Joguei-me na cama e, já de baixo do
cobertor e com as luzes apagadas, eu acabei adormecendo apesar de todos os
pensamentos que insistiam em manter-se na minha cabeça: sobre meu passado
naquele hospital, meu presente com Chloe, e pensava se aquilo poderia
influenciar no meu futuro...
Capítulo III: Starlight City – Parte III
Levantei no outro dia com a minha
cabeça cheia. Eu tinha uma impressão nada natural de que esse dia ia ser
importante, e que eu já sabia o que fazer sobre toda a bagunça de ontem.
Sai da minha cama, fui ao banheiro
escovar os dentes e tomar um banho. Depois disso voltei ao meu quarto, onde
coloquei meu uniforme da escola e logo desci. Hoje Miria não estava em casa
pela manhã. Lembram que eu disse que ela tinha a sorte de trabalhar quase todos
os dias da semana em casa? Isso é verdade, mas em compensação, todas as sextas
ela precisa sair muito mais cedo de casa que as outras pessoas.
Tomei um copo de leite e comi umas
torradas antes de sair de casa e ir rumo à escola. No caminho para a mesma, eu
olhei para todos os lados procurando Chloe, mas não a achei. Resolvi entrar
logo e ir para a sala de aula como de costume, e para minha surpresa, quando
cheguei lá, Chloe já estava sentada. Ela me olhou e nada disse, eu também fiz o
mesmo, indo para o meu lugar que era bem atrás dela.
Lá, tirei minhas coisas da mochila e
fiquei esperando a Chloe tagarela entrar em ação, mas por algum motivo, ela não
fez isso, preferindo ficar ali parada. Percebi que se eu não tomasse
iniciativa, ela não tomaria.
— Bom dia, Ryze. — Porém, havia me
precipitado.
— Precisamos conversar. — Falei no seu
pé do ouvido.
— Sobre o que? — perguntou ela, sem
virar para trás, e assim continuou.
— Sobre ontem. Está com a pulseira ai?
— não recebi resposta, ela apenas ergueu as mangas da blusa que usava,
revelando a pulseira que emitia seu brilho avermelhado de sempre.
— Pelo visto você também está com o seu
colar ai.
— Tudo bem? — ela se virou para mim,
mostrando sua face séria.
— Eu pensei bastante nisso tudo...
Talvez você esteja certo, Ryze, pode ser que tudo não passe de uma grande
coincidência com um toque de bizarrice.
Olhando para a face de Chloe, ela tinha
um olhar de criança. Uma criança decepcionada, e que fora iludida pelos contos
do papai-noel, mas ainda assim uma criança. Não que eu achasse que Chloe fosse
inocente a esse ponto, mas nunca achei que ela fosse do tipo que perdesse a fé
nas coisas tão rapidamente.
— E eu sei de uma coisa que você não
sabe.
— Diga.
— Nascemos no mesmo hospital. — Ela se
mostrou curiosa pela primeira vez hoje. — Isso não é mais uma coincidência ou
algo muito estranho, isso parece estar relacionado a alguma força maior...
— Magia?
Encostei-me a cadeira ao ouvir aquela
palavra. Após um tempo, mesmo que curto, com acontecimentos estranhos ao seu
redor, somente duas coisas poderiam explicar o que acontecia: ou você acabou de
descobrir um fato histórico, ou você está no estágio inicial da loucura.
Preferia acreditar nos dois fatos.
— Talvez.
— Bem... Seria bom ir visitar esse
Buddy K. Holmes pra desvendar tudo isso de uma vez, mas será que ele ainda
trabalha lá?
— Ele deve ter uns cinquenta anos, mas
ainda deve estar vivo. — Disse e Chloe pareceu concordar comigo.
Depois disso, o professor chegou à sala
de aula, quase que junto com os alunos. Imaginem como foi difícil prestar
atenção em qualquer coisa que aquele cara falava quando tinha um grande
mistério em minhas mãos?
Enfim, o dia na escola foi o mais lento
do ano inteiro. Na saída, eu esperei por Chloe e nós fomos diretamente para o
tal hospital. No caminho, ela colocou seus fones e começou a cantarolar uma
canção pela rua.
— Se está querendo que te assaltem você
vai ter que fazer melhor que isso, porque esse celular está muito escondido.
— Tá nervosinho?
— Só estou dando um toque.
— Acha que esse Buddy vai falar o que
ele quer na lata?
— Se não falar você usa sua voz doce e
olhar inocente.
— Como assim?
— Toda menina sabe fazer uma voz doce e
um olhar inocente quando precisa. — Disse esperando que ela negasse tudo.
— Verdade. — Dessa vez, me surpreendi
com ela — Mas se ele não falar, você parte pra agressão.
— Eu não vou brigar com um cara de
cinquenta e poucos anos.
— Está bem, então vamos fazer na base
da simpatia mesmo. — Dito isso, Chloe e eu chegamos e logo entramos no
hospital. Lá, ela fez questão de falar com a recepcionista — Com licença,
queríamos falar com o Doutor Buddy K. Holmes, é super importante.
— Você é da imprensa? — a mulher de
cabelos ruivos e com um olhar fixo em nós nos perguntou, com desconfiança.
— Não... Temos dezesseis anos!
— É paciente?
— Não!
— Então o que querem com o Doutor
Holmes?
— Digamos que somos amigos de longa
data. É só um minuto, precisamos falar com ele rapidinho e depois vamos embora,
prometo. — Chloe usou a voz doce e olhar meigo. A mulher da recepção suspirou.
— Sorte sua que as cirurgias dele ainda
não começaram, mas já vou avisando que se perturbarem ele serei obrigada a
chamar a policia! — a mulher disse rígida, logo chamando Buddy por um desses alto
falantes do hospital.
Logo, ficamos na espera por esse tal de
Buddy. Não demorou muito e um homem alto, moreno e loiro apareceu na nossa
frente. Ele não parecia ter cinquenta anos, e sim uns trinta... Mas se tivesse
isso, como seria um médico e feito nosso parto há dezesseis anos? Muito
estranho.
— Mandou me chamar, Rosa?
— Sim, esses dois jovens disseram que
são seus amigos e querem falar com você. — Acredita que ela até soou educada
agora?
Enfim, Buddy olhou pra nós, como se
analisasse as nossas faces, tentando lembrar-se de nós. Claro que seria
impossível para ele se lembrar...
— Sim, os conheço. — Ele disse que
conhece a gente? — Estava esperando por eles faz um tempinho, Rosa. Não se
preocupe, são pessoas de bem.
— Tudo bem, doutor.
— Então, vamos? — ele pareceu nos
chamar. Chloe olhou para mim, tão confusa quanto eu, mas transparecendo suas
emoções. Não sabendo o que fazer, decidi entrar no jogo.
— Vamos. — Falei e a mesma me olhou
ainda mais espantada, mas logo que Buddy começou a andar pelos corredores daquele
hospital, fomos atrás dele. Conforme andávamos, Chloe tentava explicar sua
presença ali.
— Senhor Holmes...
— Me chama apenas de Buddy, Chloe.
— Perai, como sabe o nome dela? — perguntei.
Aquilo estava estranho.
— Eu nunca me esqueço de um paciente,
Ryze — ele parou em frente a uma porta e abriu-a, fazendo sinal para entrarmos.
A sala pintada de branco por inteiro estava completamente vazia, mas mesmo
assim entramos, não viemos aqui para nada. — Bem, sabem por que estão aqui, não
é mesmo?
— Na verdade, estamos aqui justamente
tentando descobrir isso. O porquê de certas coisas. — Chloe disse.
— O colar, a pulseira, a data de
nascimento, a conexão entre vocês, qual dessas respostas vocês querem primeiro?
Buddy parecia muito bem informado sobre
a situação, mas como? Ele conheceu a gente somente hoje.
— Começa por você. Como sabe de tudo
isso? — falei. Alguém que acha que conhece você melhor do que você mesmo?
— Simples, sou o guardião mágico de
vocês dois. Fui responsável por manter vocês dois seguros durante a vida de
cada um de vocês. Fui eu quem deu os poderes da magia a vocês dois há dezesseis
anos atrás.
— Guardião mágico?
— Poderes da magia?
— Sim. Querem ouvir uma história?
Sentem-se — eu só podia estar sonhando, ou muito doente. Não acreditaria se me
contassem e nem acreditei nos meus olhos quando eu vi três cadeiras aparecerem
bem a minha frente, do nada. Como assim? Cadeiras não aparecem do nada! — É
sempre assim... Se acalmem, sentem que eu vou explicar tudo pra vocês.
Chloe estava quieta demais, até o
momento em que tentou tocar na cadeira. Ela deu um passo à frente e, mesmo com
suas mãos tremendo, ela criou coragem e tocou na mesma.
— É real, Ryze. — Ela falou, com sua
voz misturando o medo e o ânimo. Não acreditei quando ouvi, então tentei tocar
em outra cadeira e logo vi, realmente não era brincadeira; três cadeiras duras,
firmes e reais haviam aparecido na nossa frente.
— Estão vendo, são que nem as que vocês
usam na escola e em casa. Agora sentem que eu vou lhes explicar.
Chloe e eu decidimos deixar emoções
para depois e obedecemos. Queríamos respostas mais do que tudo. Buddy sentou na
terceira cadeira ao lado de Chloe e disse:
— Hora da história!
Dito isso, não acreditei quando a sala
ao nosso redor se transformou em uma grande sala de cinema, onde estávamos
sozinhos e sentados nas últimas fileiras dali. Chloe segurou firme minha mão e
não soltou de jeito nenhum. Eu, nada disse.
Na grande tela começou a passar uma
espécie de filme, que era narrado por uma voz semelhante à de Buddy.
— Há vinte mil anos atrás, em Starlight
Realm, nasceu a poderosa maga Maya. Filha de fazendeiros, a garota de cabelos
róseos e olhos avelã nasceu com um coração puro, uma mente sem maldades e
sempre visando por um mundo melhor. Naquela época, o universo estava em
destruição por causa de Ronan, o rei sovina e maligno do castelo de Starlight
Realm. Ronan explorava os moradores de seu reino, sempre visando o bem-estar
próprio e desgraça alheia, e isso incluía Maya e toda a sua família.
— Tudo o que Maya queria era poder
fazer alguma coisa diante disso... E seu pedido foi atendido quando, aos vinte
e dois anos de idade, Maya foi abençoada com o dom da magia pura, podendo a
partir daí, combater as injustiças do rei Ronan.
— Isso ai mulher! — quando vi, foi
Chloe quem gritou no cinema, enquanto comia pipoca junto a Buddy. O que eu
perdi?
— Porém, o dia da destruição do
universo finalmente chegou e todos os humanos foram condenados à morte pelo rei
Ronan e seu exercito de soldados, que mataram cada morador de Starlight Realm
que podiam... Mas só até que Maya jogou um feitiço para parar o tempo e isolou
ela com Ronan em um universo paralelo, e seria lá aonde aconteceria um banho de
sangue, capaz de decidir o futuro de todos os mundos existentes.
— Mal sabia Maya que Ronan contava com
a magia negra ao seu dispor. Mas no fim, isso não havia feito diferença. Após
uma batalha árdua entre a escravidão e a liberdade dos humanos, Maya conseguiu
vencer Ronan, matando-o com as suas próprias mãos e as chamas de sua magia...
— Mas o ar da vitória durou pouco. Maya
logo descobriu que, tanto ela como Ronan, teria suas almas eternizadas, podendo
reencarnar a cada mil anos no corpo de um mortal. Ronan então jurou cumprir seu
objetivo em sua próxima vida, mas Maya estava disposta a fazer o maior
sacrifício de todos para um universo melhor: ela se suicidou, entregando seu
coração puro e seus poderes para que futuras gerações pudessem conviver em paz,
em um mundo sem ódio, em que a cada mil anos, um mortal teria os poderes
entregues a ele por seu guardião, desde o dia de seu nascimento, até a sua
morte.
— Em vinte mil anos, Ronan jamais
conseguiu vencer um mortal que tivesse os poderes da maga Maya, porém a cada
mil anos, Ronan se torna cada vez mais forte, e o equilíbrio entre a magia pura
e magia negra começam a se quebrar mais e mais...
Logo após a história acabar, voltamos à
antiga sala vazia. Eu ainda precisei de um tempo para processar tudo aquilo,
mas Chloe pareceu entender tudo de hora.
— Então é isso?! Você nos escolheu para
sermos os portadores da magia?! Você ficou maluco foi?! Temos dezesseis anos,
como é que vamos combater um rei da magia negra?! Nós não sabemos lutar, não
sabemos como controlar a magia, nem sabíamos que tínhamos esses poderes a três
minutos atrás!
Ela parecia muito brava, mas eu não
entendi isso... Não foi ela mesma quem estava animada com o fato de poder
existir magia no mundo? Pelo menos, achei que ela ia amar ser a portadora do
poder.
— Chloe, depois que se descobre que tem
poderes, é muito mais fácil controlar a magia...
— E por que nós dois?! Pelo que eu
entendi somente um mortal precisaria ter esses poderes.
— Como você viu, Ronan fica cada vez
mais forte a cada mil anos. Eu precisei criar dois guardiões, mas não pude
fazer com que vocês usassem poderes individualmente, então precisei fazer com
que os dois estivessem juntos para poderem usá-los.
— E o colar? E a pulseira? — perguntei,
recebendo o olhar curioso de Chloe. — Se não usarmos eles, significa que não
teremos nossos poderes?
— Todos os portadores da magia, desde a
maga Maya até vocês sempre tiveram um amuleto, mas a magia de vocês só tem dois
requisitos: estarem com seus amuletos e um perto do outro.
Aquilo era muita coisa para
processarmos. Não podíamos salvar o mundo, éramos adolescentes, não podíamos
arcar com tamanha responsabilidade. Era demais.
— Nós não podemos...
— Ryze, Chloe, se não fizerem isso,
sabe o que lhes espera? Escravidão. Ronan retornará a terra com todo o seu
exercito fiel e todos serão mortos ou escravizados, e nós, juntamente à Maya,
seremos os primeiros da lista para serem mortos em praça publica; depois seus
amigos, familiares, todos que vocês conhecem irão sofrer. É isso que vocês
querem?
Isso me fez refletir. Mas acho que eu
estava mais disposto a conversa do que Chloe, que se achava ainda mais incapaz
que eu...
— Chloe, eu posso falar com você? Em
particular. — Buddy entendeu o recado e logo saiu da sala. E o mais estranho,
atravessando a porta. Aquilo me deu arrepios.
— Ryze eu não posso fazer isso, eu sou
só...
— Escuta. — Dito isso, peguei minha
cadeira e sentei-me de frente para ela. — Eu sei que isso é loucura, mas temos
que tentar. Eu sou um grande egoísta e existe muita gente nesse mundo que não
merece viver. Mas ainda assim existem pessoas boas, honestas, de bom coração,
trabalhadoras, amáveis, e eu sei que essas pessoas estão nesse mundo.
Chloe olhou para mim, como se tentasse
refletir naquilo que acabei de dizer. Peguei em seus dois braços e encarei-a
fixamente.
— Por favor.
Ela pareceu estar surpresa com o que eu
disse. Na verdade, até eu fiquei... E também fiquei surpreso ao ver como deu
certo, quando ela balançou a cabeça positivamente para mim, abrindo um sorriso.
— Ótimo! Então vamos começar! — Buddy
pareceu ter ouvido toda a conversa. — Primeiro tem que saber um pouco mais
sobre os seus poderes.
A sala ao nosso redor se transformou
novamente, dessa vez em um campo esverdeado no nada, com um céu azul digno de
filmes e um monte de objetos de treinamento em volta, como um boneco, espadas,
um arco e flecha, entre outros.
— Bom, comecemos pelo básico! Mas
primeiro saibam que, pelo fato de dessa vez terem sido dois mortais, eu tive
que repartir seus poderes.
— Como assim? — Chloe perguntou.
— Bem Chloe, você pode usar os poderes
referentes ao fogo e a terra a seu favor, além de poder se fazer invisível e
criar objetos a partir do nada.
— E como eu faço isso?
— É só pensar no que quer, erguer sua
mão desse jeito, e pronto. Vocês não veem filmes não é? — Buddy brincou. Como
ele conseguia brincar num momento daqueles?
— E os meus? — perguntei.
— Ryze você pode usar os poderes
referentes à água e ao ar a seu favor, e também pode voar e atravessar matérias
sólidas. Tente.
Eu pensei em alguma coisa que pudesse
fazer naquele momento. Após pensar um pouco, imaginei uma tempestade, com
direito a vento forte. Por mais que fosse estranho e impossível de acreditar,
nuvens negras começaram a aparecer e uma ventania forte começou a tomar conta
do lugar. Ouvi relâmpagos e logo começou uma chuva.
— Sério Ryze?! Não podia, sei lá, só
fazer um ventinho? — Chloe reclamou.
— Você controla o fogo, Chloe, pode
fazer o sol aparecer.
Com isso, Chloe ficou pensativa e,
logo, um sol de quarenta graus apareceu no céu. Foi tão forte que nossas roupas
começaram a secar rapidamente.
— Quer me matar queimado? — disse e
Chloe riu.
— Parece que vocês já entenderam o
básico. — Buddy fez tudo voltar ao normal, à colina, o céu, armas, tudo. —
Agora, a missão de vocês.
Olhei para Buddy atento, eu sabia que o
que ele falaria ir ser sério.
— Vocês devem viajar pelos mundos
ameaçados pela magia negra para restabelecer o equilíbrio entre os dois tipos
de magia: a negra, e a pura.
— E como fazemos isso? — perguntei.
— Em cada mundo, vai haver um humano
que teve seu corpo tomado por um representante de Ronan. Então vocês terão
que...
— Matá-lo?
— Sim e não. O representante de Ronan
morrerá, mas o humano voltara a ser o que era quando foi tomado pela magia
negra, porém tudo o que essa pessoa fez nesse meio tempo vai permanecer sem
alterações. Além disso, vocês só podem lutar contra esse alguém quando seu lado
negro se manifestar.
— Então teremos que esperar?
— Vocês terão um prazo máximo de três
dias para ficar em cada mundo, se ficarem lá depois disso, morrem.
— Três dias não é muito tempo? O que
ficaremos fazendo lá em três dias? — Chloe perguntou.
— Essa é outra parte da missão de
vocês: restaurar a luz. Cada mundo tem um humano representante da luz, que
nesse momento, deve estar perdendo a sua fé. Vocês precisam achá-lo e restaurar
essa fé, só assim o equilíbrio entre luz e trevas vai ser restaurado. Depois de
concluírem a missão, poderão sair do mundo.
— E quanto ao Ronan? — Chloe se
arrepiou ao ouvir esse nome saindo de minha boca.
— No final de todos os mundos, vocês o
encontrarão. Entenderam?
Balancei a cabeça positivamente e Chloe
fez o mesmo. Estávamos prontos para o que der e vier...
— Precisarão desse mapa. Vocês podem
criar teletransportes entre os mundos, então é só posicionar o dedo no mapa e
falar pra que mundo se quer ir, que um portal vai se abrir para vocês. Ah, e
vocês não podem ser descobertos como estrangeiros, a não ser que seja
totalmente necessário, mas em hipótese alguma podem revelar a existência de
outros mundos aos habitantes de qualquer mundo, isso quebraria o equilibro. O
mapa também brilhará quando a missão de vocês estiver concluída. Boa sorte para
vocês!
Buddy entregou o mapa em minhas mãos e
desapareceu bem na nossa frente. Isso foi estranho, agora estávamos por nossa
conta, ou melhor, mundos estavam por nossa conta...
— Ok, melhor começarmos rápido! — Chloe
pegou o mapa de minhas mãos e, após procurar um pouco, posicionou seu dedo em
um mundo e disse o nome do mesmo. — City of the Melody!
Ela gritou e um portal infesto por uma
luz branca apareceu bem na nossa frente. Chloe olhou para mim, não com um olhar
de medo, mas um olhar de valentia no rosto. Era bom vê-la assim, pois nós dois
já sabíamos o risco que poderíamos enfrentar ao entrar naquele portal. Assim,
entramos naquela estranha passagem que nos levaria ao desconhecido... Ou
melhor, a um mundo desconhecido...
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